Por Emílio Amadei Beringhs
Passados cêrca de trinta anos da instalação da primeira emissora de radiodifusão, do Vale do Paraíba, a então PRD-3 – Rádio Bandeirante de Taubaté — que, por sua vez, foi a vigésima sexta emissora a instalar-se em território brasileiro, a sua história poderá ser contada num pequeno registro.
Falando bem, a experiência de rádio em Taubaté remonta aos primeiros anos da década de 1920 a 1930. Quando surgiram as duas primeiras estações no Rio e em São Paulo, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e a Rádio Educadora Paulista, os jornais iniciaram a publicação de esquemas de receptores, notadamente os chamados de “galena”. Muita gente, e nós também, iniciou uma série de estudos e experiências. Corria o ano de 1925, quando, a chamado do saudoso industrial, Félix Guisard, veio a Taubaté um môço francês, chamado René Copitet, para trabalhar como técnico da novel indústria de sêda, iniciativa do velho capitão de indústria. Era a fábrica de sêdas Phalena. Ora, o môço Copitet viera como técnico têxtil, mas, a sua principal preocupação era a recepção de rádio. Naqueles dias teria lugar em Nova Iorque, nos Estados Unidos, o encontro de boxe, em disputa do campeonato mundial dos pesos-pesados, entre Georges Carpentier, campeão francês e Jack Dempsey, campeão americano. Instalou-se na chaminé da C.T.I. uma grande antena, com a qual se pôde ouvir “alguma coisa” da memorável luta.
René Copitet permaneceu pouco em Taubaté e no Brasil. Voltou para sua terra. Nós, contudo, inoculados pelo veneno da época — o rádio — continuamos as experiências encetadas. Certa vez um sargento do Exército, junto ao antigo 6.º RI, de Caçapava, o Sargento Rosa, escreveu-nos uma carta que dizia, em certo trecho: “ou o amigo constrói uma emissora de rádio, ou fica louco. “Nós construímos a radioemissora, o que se deu em princípios de 1931, Essa estação, com apenas 10 watts de potência, foi instalada, por favor, numa dependência existente no quintal da residência do Sr. Alberto Guisard, que nos ajudou decididamente em nosso ideal, formando conosco, entre outros, na primeira diretoria da Rádio Bandeirantes de Taubaté. Essa dependência havia sido um lugar destinado à criação de galinhas de raça. Daí, então, a emissora passar a ser chamada, pejorativamente, de “Rádio-Galinheiro”.
Havia cooperação espontânea na formação daquilo que, mais tarde, seria o pedestal do rádio taubateano. Lá estavam, cotidianamente, o Vitinho (Victor Barbosa Guisard), com todos os componentes do seu jazz — orgulho da família Barbosa; lá estavam o João Ortiz, gerente da emissora, o Canuto Machado Coelho, locutor, o Fêgo Camargo (pai de Hebe Camargo) com sua Orquestra Odeon, que há pouco deixara de atuar no velho cinema da Rua Visconde, o Cine Odeon; o Pereira, muito môço ainda, que mais tarde seria nosso companheiro na Difusora; o Renato Penafirme Aguiar, mais tarde locutor de proa na Cultura paulista, o velho Pires com seu regional, o Ramiro Pascoal Rizzo, enfim, uma boa turma de amigos e companheiros.
Os fatos vão pouco a pouco chegando ao nosso campo de visão. Quando levantávamos a antena emissora, um dos ajudantes, de nome Leone, assistia aos cortes, experiências, novos cortes. Sobe e desce a antena, quando, num repente, exclama: “É o cúmulo!”. Perguntamos o porque de sua exclamação. A resposta foi chocante: “Não sei, disse êle. Eu gosto muito dêsse “nome” e de vez em quando eu o digo para não esquecer.”
A emissora, por fim, ficou pronta. O velho Sílvio Guisão, que tinha o seu jornal em Taubaté, registrou o fato com euforia: “De início meio confusa, meio fanhosa, a Rádio Bandeirante vai melhorando de som e de potência, podendo ser ouvida com prazer.”
Os programas eram publicados em “O Norte” e no jornal do Guisão. Assim corriam os dias. Certa vez veio a Taubaté um representante da Rádio Cruzeiro do Sul, de São Paulo, convidando-nos para participarmos ao lado de mais treze emissoras de São Paulo, Rio, Sorocaba, Campinas e outras, de Minas, na Rêde Verde-Amarela. Entramos. Para que tudo saísse a contento, pedimos ao velho companheiro e amigo, Fêgo Camargo, que trouxesse a orquestra do Odeon, para a inauguração. O programa foi um sucesso autêntico. Até hoje guardamos cartas recebidas do Rio, de São Paulo e de Sorocaba, elogiando-o. Nem era para menos, pois, a orquestra do Odeon era das melhores do interior do Estado, na época. Músicos de proa formavam o conjunto: o Fêgo, D. Licínia, D. Iolanda, o professor Zé Ricardo, o Otaviano de Paula, o Miranda, o Luizinho, o Chiquinho, o Sinhô do Zé Vicente. Gente boa aquela, e competente.
O velho rádio de Taubaté tem sua história e tem o que contar também.
Quando corria o ano de 1934, mercê dos materiais improvisados, quando nada havia ainda de garantia, capaz de propiciar um serviço seguro no Interior, a Bandeirantes cessou suas atividades. Pouco depois, com maior experiência no campo do radioamadorismo, fundamos com amigos nossos, dentre os quais destacamos Alberto Guisard e Benedito Marcondes Pereira, êste de saudosa memória, a Difusora de Taubaté, inaugurada oficialmente a 19 de julho de 1941.
Mas, daqueles bons tempos, da época de ouro em que os experimentadores eram raros e trabalhavam por idealismo são, sobrou a saudade que marca a passagem de companheiros que já se foram, o Pereira, o Hilton Aguiar, o Manézinho Ilhéu (Manuel Alves Pereira), o Paulo de Oliveira, o Délbem de Carvalho, o Maestro Pizzaroni, o Rômulo d’Arace… A todos êles ficamos devendo êsse imenso edifício radiofônico da atualidade.
Julho de 1961
[box style=’info’] Emílio Amadei Beringhs
Desde menino foi funcionário da CTI.
Atuou por mais de 50 anos no jornalismo taubateano, descreveu com maestria o cotidiano taubateano. Integrou o Instituto Geográfico de São Paulo. Foi um dos pioneiros do rádio amadorismo no Vale.
Na radiodifusão convencional, foi responsável, junto com Alberto Guisard, pela pioneira Rádio Bandeirantes.
Em 1941, foi co-fundador da Rádio Difusora de Taubaté. Foi sócio fundador do Aero-Clube de Taubaté.
Em 1967, escreve o primeiro volume do obrigatório livro Conversando com a Saudade, descrito por muitos como pedaços da alma de Taubaté. É, também, de sua autoria, a bandeira de Taubaté[/box]
3 Comments
Como posso obter os livros "Conversando com a saudade"? Emprestei o 1º volume autografado para uma historiadora e perdi contato com ela. Alguém pode me ajudar?
Boa tarde, Ana, é possível que encontre os livros em sebos, mas precisa fazer um grande esforço. Não é mais tão comum encontrar, como foi há poucos anos.
Desejamos sorte.
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