O PÚ E O PUXÃO DE ORELHAS

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Texto de Celio Moreira

Acordei quando o longo apito da CTI espantou o silêncio da manhã.  Era o seu primeiro grito chamando os operários para mais um dia de luta. Certa vez, ao passar pelo Largo da Estrela, pude assistir a chegada apressada dos trabalhadores. Estava quase na hora do “PÚ”, do temível PÚ!   Era um apito seco, lacônico, que marcava o momento exato para o fechamento do portão. O encarregado de fechá-lo era brutamontes, inflexível. Por Deus, não posso perder meu dia, preciso entrar! Você não ouviu o PÚ?  Sim, mas eu estava aqui na porta! O senhor sabe que depois do PÚ, mas nem o “seu” Felix entra! (Ele se referia ao industrial, FELIX GUISARD) E fechou o portão com indiferença.

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Largo da Estrela, anos 60.

                  Ao recordar o severo castigo imposto ao tecelão que chegara atrasado, continuei sob o aconchegante calor da coberta à espera do breve som do PÚ, o terror dos retardatários. Porém, o grande e principal complexo industrial da cidade representava motivo de orgulho para os trabalhadores Um sonho que jamais deveria acabar para algumas pessoas que, pela simplicidade, ganharam a simpatia de todos. Seu Chico, por exemplo, respondia pela sala de emergência, a farmácia da fábrica.  Além dos operários, qualquer pessoa, ali, seria muito bem tratada. Aplicava injeção, fornecia remédios, tinha palavras de conforto e espinafrava, também, se necessário. Era baixinho, gordo, sem dispensar o alvo jaleco que usava com visível orgulho e ensejando, às vezes, que o chamassem de “doutor Chico”.  Ganhou popularidade, também, Ambrósio, um mulato forte e sorridente que despejava refugo de tecido numa rua paralela aos trilhos da Central. Qualquer retalho de “Morim Ave Maria” ou “Lençol Canário”, que vinha misturado em tintura branca, era disputado como preciosidade pelos cobiçosos catadores. Com a imagem das chaminés, dos bailes carnavalescos do CTI Clube e o ruído dos teares gravados em minha mente, voltei a dormir. Sabia do compromisso de ir ao Mercado Municipal naquela manhã. Semanas antes, ao recusar o cumprimento de tal ordem, senti os pés saindo do chão. Não era levitação. Papai estava me levantando pelas orelhas. Ainda hoje os abençoados puxões soam como o PÚ da Companhia Taubaté Industrial.

 

[box style=’info’]Celio Moreira
celioconhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.

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