Leia crônica premiada no Mapa Cultural Paulista 2014

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“Meio Sei Lá”, texto que representou Taubaté, será publicado em antologia

A crônica “Meio Sei Lá” da professora de Taubaté Dafne Araceli Román foi premiada na Mostra Literária do Mapa Cultural Paulista edição 2013/2014. Ela, que participou pela 1ª vez do evento por incentivo de amigos, terá seu texto que trata de crise de ansiedade, publicado junto com as outras 14 obras selecionadas, em uma antologia produzida pela Mostra.

Na categoria literatura, concorreram textos das áreas de poema, conto e crônica. Na fase estadual foram selecionados 73 autores dos quais 15 foram premiados.

Leia a crônica

Meio sei lá
Dafne Araceli Román*

Meio sei lá, o que você descreve como sei lá? Sei lá. É um sentimento assim meio estranho, meio doido, meio atormentado. Uma mistura de felicidade, com tristeza, com gostinho de saudade. Uma combinação do doce do chocolate com o azedo do limão. Das cores do arco Iris no contraste do céu cinzento. As palavras embaralhadas, os sentimentos embaraçados. Não consigo me explicar…

Há um vazio que não estava aqui ontem antes que eu adormecesse, de repente me vi perdida, eram 5:35 acordei, olhei pela janela e estava escuro, levantei-me bebi água, fui ao banheiro e decidi que dormiria novamente, pois hoje só precisava acordar às 7:30, viro para um lado, viro para o outro, abro o face, o whats app, mando um bom dia para as amigas, vai que alguma está acordada e topa conversar, fecho os olhos, coloco a máscara, empurro o gato, bebo água de novo, olho as horas novamente, são 5:55, meu coração já está batendo rápido,  a minha garganta está seca, é hora de controlar aquilo que sei que está chegando, é crise de ansiedade, levanto procuro um “passalix”, vejo que acabou, tento me acalmar, respiro fundo, bebo água, viro o ventilador para mim, me cubro com o cobertor até o nariz, não consigo respirar, pingo soro nasal, olho as horas novamente e vejo que são 6 e pouco, não passa das 6:15, levanto , vou pro banho, puxo o banquinho, ligo o chuveiro e sento debaixo da água morna, deixo ela molhar meu corpo, vou ficar aqui até passar, eu sei que logo vai passar, tomo um banho de uma meia hora, o dia está clareando, não vejo o sol aparecer, me desanima mais um pouco, faço o que nunca faço, preparo um café, sento à mesa tomo meu café,   leio meu evangelho, olho o face, o whats, alguma coisa me deixa inquieta, não consigo decifrar o que é, ou talvez eu não queira.

Saio para a rua, olho pra o céu, procuro o sol, e cadê? Está nublado hoje, isso me deixa, meio sei lá.  Hoje vejo que tudo vai me deixar meio sei lá, ligo som no celular, e começo a caminhar em direção à rodoviária, estou bem adiantada para entrar a trabalhar, mas é bom, tenho várias coisas para adiantar, mudo uma, duas, três, quatro músicas, ouço a clássica, aperta o peito e decido que vou andar sem ouvir nada, nada me atrai hoje, tudo me deixa entediada, tudo está fora daquilo que eu estou precisando.

Retorno do trabalho, já é mais de meio dia, continuo a tentar ouvir alguma coisa, vejo novamente o whatsapp, o face, ligo e desligo o celular’, só para testar que está funcionando direito, que recebo mensagens sem problemas, desço do ônibus e vou para minha casa, caminho rápido, mal vejo passar as pessoas por mim, por vezes sinto que não penso em mais nada, a cabeça parece ficar vazia, meus passos vão acelerando, parece que estou quase correndo, tentando chegar a algum lugar ou fugir… Sinto que minha fase está tensa, meus músculos estão contraídos, minha garganta seca, percebo que estou caminhando rápido demais, desacelero, maneiro o passo, não posso estar assim, meu coração está acelerado, vai sair pela boca, as mãos estão suando, sinto um  nó na garganta, aquela vontade de dizer tudo, mas não sei o que seria esse tudo, engulo o choro, tento tirar um sorriso, a vista embaça e eu continuo caminhando mais devagar em direção a minha casa.

Não consigo entender o que acontece hoje, estou muito estranha, aquele bom humor de todos os dias, cadê?! Não o encontro. Chego em casa, acelerada, faminta e ao mesmo tempo sem fome de nada, abro a geladeira, tenho inúmeras coisas para comer, coisas saudáveis e outras nem tanto, reviro a gaveta, vejo as frutas, os legumes, nada me apetece, mexo nas prateleiras e acho, no meio de tudo, um pote com um pouco de brigadeiro que sobrou de ontem à noite, já está escolhido meu almoço, um pote de brigadeiro, para não sentir tanta culpa depois preparo um famoso suco verde, me entupo de brigadeiro, vou ao banheiro, me olho no espelho e entro na paranoia de que não poderia ter comido toda essa quantidade de brigadeiro, troco a roupa, pego minha bolsa, minha garrafa e acelero o passo para ir malhar, preciso perder logo tudo isto que ingeri, preciso liberar endorfina.

Por aqui está tudo desalinhado, as caixinhas e potes não estão mais arrumados da menor para a maior, os alimentos na geladeira não estão mais perfeitamente alinhados, talvez em algum momento falte papel higiênico no banheiro, talvez esqueça a tolha no varal e não tenha quem buscar pra mim, precise sair pingando pela casa, me xingando para procurá-la e me secar, é uma questão de convivência, estou aprendendo a conviver comigo mesma, com o meu limite, estou superando meus limites a cada dia. A televisão não é ligada, mal sei como se mexe nos controles, o som da TV do vizinho já me incomoda o suficiente como para ligar a minha. As roupas no guarda roupas não estão mais arrumadas por cores, que milagre!

A maneira com que o tempo avança, como passa, sempre me deprime, me causa pânico, é como se soubesse que não tenho mais o mesmo tempo de antes, como se tudo fosse esgotando, os prazos, os limites, o que é sem duvidas um fato concreto.

A minha razão está extremamente misturada com o sentimento, ela te explica as coisas, o sentimento te faz vivê-las. Aí, viver muitas coisas ao mesmo tempo confunde a emoção. Mas não vai pensando que isso é ruim, não… É um ótimo e estranho sentimento de estar emaranhado, de se sentir assim, meio sei lá.

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 *Dafne vive em Taubaté e mora no Brasil há 12 anos, mas é argentina. Professora de português e espanhol, garante que fez a inscrição despretensiosa. “Sempre escrevi escondida. No ano passado retomei com força total e comecei a mostrar a quem estava por perto. Um amigo me disse do Mapa Cultural, e fiz a inscrição”, afirmou.

Além de Dafne,  Cleber Freire de Jacareí também foi premiado por sua poesia “Rosas no Cóccix”.

Mapa Cultural 

O Mapa Cultural Paulista, criado em 1995, é uma das principais políticas culturais do Estado e tem por objetivo fomentar a produção cultural do interior. Durante sua realização são selecionados artistas de 13 regiões de São Paulo, que  apresentam seus trabalhos em 3 fases: municipal, regional e estadual. Podem ser inscritos no Mapa projetos nas áreas de teatro, dança, artes visuais, canto coral, música instrumental e vídeo.

 

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