O escotismo e as cruzadas para o Cristo Redentor em Taubaté

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Desde a implantação do escotismo no Brasil na primeira metade do século XX, o movimento vem ganhando força e cada vez mais adeptos. Isso significa que quando iniciado no país, possuía a conotação de ser um método educacional e forma de vida. Após a ascensão dos regimes nazifascistas na Europa, como defendido por Thomé (2006), o escotismo recebeu uma nova conotação no Governo Vargas, na qual o objetivo para a implantação do escotismo no ensino secundário com a Reforma Gustavo Capanema (1942), representava os valores a serem difundidos e os deveres com a pátria.

Foto: Família Cintra/Acervo Pessoal

A partir disso, fica clara a concepção de que após a Reforma Capanema dirigida ao ensino secundário e a criação de uma ideologia de patriotismo e nacionalismo, seria aplicada na formação dos alunos dentro da organização escolar. Nesse ponto, o escotismo está intrinsecamente ligado à organização escolar, sendo que há a opção dos colégios em aderir ou não o modelo escoteiro para a formação do alunado.

Com a concepção de formar alunos para a vivência em sociedade, em conjunto com os ideais da educação moral e cívica, traços marcantes da gestão autoritária de Vargas, promoveram o escotismo como prática educativa fora da sala de aula, que levava a autonomia do individuo perante a sociedade e ao mesmo tempo, a necessidade da construção em equipe, que tornava o individuo parte da massa que conduzia a sociedade.

Um exemplo que podemos citar foi o Ginásio Taubateano. Esse modelo educacional escoteiro foi oferecido aos alunos a partir do exemplo seguido pelo professor Theodoro Corrêa Cintra. O professor Cintra era escoteiro na sua cidade natal em Passos (MG), no qual era chamado de Chefe Guará, e já atuava como coordenador do grupo de escoteiros. Em conjunto aos ensinamentos recebidos no ginásio, na própria escola foi formado um grupo de escoteiros entre os alunos.

O escotismo em Taubaté iniciou em 1952 realizado pelo professor Corrêa Cintra, no qual visava através do lema do escotismo, que exigia que o escoteiro permanecesse sempre alerta pelos princípios de amor ao próximo, a pátria e a natureza, dentro dos ideais implantados na escola, inseri-los em um mundo moderno, ensinando as formas de sobrevivência e de atenção.

 

O grupo de escoteiros era misto e percorria toda a cidade. Em uma das excursões, os escoteiros acampavam na região que atualmente se localiza o novo Terminal Rodoviário da cidade, e foi a partir deste local que o professor Theodoro avistou uma colina, que seria o ponto ideal para a construção de um monumento de incentivo à juventude.

A ideia para a construção de um monumento para a juventude, com o tempo foi alterado para a proposta de um monumento católico na cidade. Essa ideia havia surgido nos primeiros anos de atuação do professor Theodoro Corrêa Cintra na cidade. Como o professor Theodoro era muito atuante e conhecido na sociedade através de seus projetos religiosos e de benfeitorias aos moradores da parte alta da cidade, a promoção para a criação de um monumento era bem aceita. Por isso, havia por parte da Igreja, representada pela figura do Bispo Dom Francisco Borja do Amaral e dos fiéis, através do professor Theodoro, a necessidade de se criar um monumento católico no alto da colina avistada junto aos escoteiros.

A princípio, a escolha da criação de um monumento com São Francisco das Chagas, padroeiro da cidade, era unânime. Mas ao verificar-se que a viabilidade da construção não era compatível ao dinheiro arrecadado em campanhas ao monumento católico, no qual, com a autorização do Bispo Dom Francisco, havia um molde pronto da réplica do Cristo Redentor (Rio de Janeiro), estudou-se a possibilidade da construção do atual monumento.

As verbas foram arrecadadas através de campanhas de fomento à construção do monumento religioso para os fiéis. Essa campanha denominada “Campanha do Monumento ao Cristo Redentor” era divulgada nas páginas do jornal O Monumento, coordenado pelo professor Cintra e no jornal A Tribuna que, grande parceira dos trabalhos do Comendador, atualizava a lista de arrecadações para a construção do mesmo. Assim, toda a sociedade aceitou a proposta e Dom Francisco em conjunto com o professor Cintra e demais membros atuantes na cidade, declararam que se iniciassem os trabalhos de construção, que ocorreu na oficina de Santos no litoral do Estado.

Pedestal do Cristo Redentor em Taubaté em dia de cruzada. Foto: Acervo Pessoal Giovanna Nunes

Durante a páscoa de 1953, foram inaugurados os trabalhos do monumento, mas somente em 1956 novamente na páscoa foi entregue o monumento ao Cristo Redentor, no qual foi festejado no sábado de aleluia, com a celebração da missa e a procissão ao Cristo Redentor. As luzes que clarearam o monumento foram acesas pelo Bispo Dom Francisco Borja do Amaral, que abençoou a imagem.

Iniciaria nesse momento as excursões ao Cristo Redentor, que eram acompanhadas de caravanas da cidade e do Vale do Paraíba inteiro, através de romarias, que permitiram o surgimento das cruzadas ao Cristo Redentor. As cruzadas ao Cristo Redentor eram compostas de jovens e crianças para a peregrinação ao monumento, como forma de marcar presença católica através dos pequenos fiéis.

Além disso, ao redor do monumento, se instalou o Caritas Diocesana em 1958, que atendia aos pobres da cidade, em especial aos moradores próximos ao Cristo, no qual o professor Corrêa Cintra verificou serem necessitados. E ainda, com o dinheiro que havia sobrado da compra do monumento, o professor Theodoro criou a Escola Vocacional Cristo Redentor, que funcionou em um barracão nas imediações da estátua.

Vista aérea do Cristo. Foto: Acervo CDPH/UNITAU

O monumento ao Cristo Redentor desde sua criação, sofreu várias reformas em seu entorno, mas mesmo assim, ainda é esquecido por muitos e outros tantos nem sabem da sua história. Ele surgiu quando Taubaté era considerada a Capital do Vale, um período de grandes transformações sociais, industriais e econômicas, que tornaram o Vale do Paraíba o eixo que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, com a Rodovia Presidente Dutra. A Escola Vocacional já não existe mais, mas o monumento sim, esperando para ser questionado e estudado. Lá do alto ele abre seus braços e observa essa velha e aconchegante cidade dividida entre o progresso e suas tradições.

 

Referências Bibliográficas:

NUNES, Giovanna Louise. Escola e Cidade: as origens do Ginásio Taubateano na década de 1950. Taubaté/SP: Unitau, 2011. Monografia de conclusão de curso em História.

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Giovanna Louise Nunes é graduada pela Universidade de Taubaté, Mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo. E professora na Rede Estadual em Taubaté.

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