Santa Úrsula e as Onze Mil Virgens

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A devoção de santos é uma prática muito comum na Igreja Católica. Entre santos que até hoje são populares como Santo Antonio, São Francisco, São Miguel Arcanjo, Nossa Senhora nas suas diversas nomeações, foram localizadas algumas devoções que hoje não são muito conhecidas, entre elas, a devoção à Santa Úrsula e as Onze mil virgens.

Segundo a lenda, Santa Úrsula teria vivido entre os séculos III, IV ou V, filha de um rei britânico cristão que iria casar-se com um príncipe pagão. Pediu três anos para fazer uma peregrinação pela Europa acompanhada por dez acompanhantes virgens e mais mil virgens para cada uma das acompanhantes.  Quando estavam a caminho de Colônia (cidade da Alemanha), foram capturadas pelos hunos, que haviam sitiado o local, e decapitadas. Pouparam a vida de Úrsula que com sua beleza encantou o rei dos hunos que quis casar-se com ela. Mas diante da recusa da virgem, o rei a matou.

A lenda de Santa Úrsula e das Onze Mil Virgens foi revivida, principalmente no início da Idade Moderna. A devoção só crescia chegando a formar no século XVI por Angela Merici a Ordem das Ursulinas, dedicada à educação de meninas. José Ramos Tinhorão afirma que no local onde se acreditava que foram martirizadas, foram encontradas ossadas de mulheres jovens que “a boa fé cristã do povo transformava logo em relíquia das onze mil virgens”.

No ano de 1575, chegaram no Brasil, na cidade de Salvador, duas cabeças das Onze Mil Virgens.  Foi uma grande festa devido serem as primeiras relíquias existentes na colônia. Em 1577, uma cabeça chegou a São Vicente, e há relatos que a Capitania se colocou em festa. Cristovão Gouvea, padre Visitador da Companhia de Jesus, visitou o Brasil em 1582, e trouxe consigo outra cabeça das Onze Mil Virgens, entregue em Salvador e recebida com uma grande festa pública, com direito a diversas manifestações, entre elas, a apresentação de uma encenação teatral promovida pelos alunos do colégio jesuíta.

Trecho do Testamento de Catharina Portes Del Rei, 1686. Acervo DMPAH

Em Taubaté, a devoção à Santa Úrsula e as Onze mil Virgens foi encontrada através dos testamentos, como mostra da forte devoção que havia na antiga vila. João José Reis afirma que um dos meios de se preparar para uma boa morte era fazendo um testamento. Quase todos temiam a morte, principalmente se ela chegasse de surpresa, pois queriam deixar a vida de seus familiares organizada e para se preparar para a vida após a morte, limpando a consciência e pedindo a intercessão de seus santos de devoção, além de deixarem missas em honra dos mesmos. Os pedidos de missas feito nos testamentos tinha como função abreviar o tempo passado no Purgatório, ou á elevação da gloria do Paraíso.

São diversos os testamentos, a partir de 1665, em que Santa Úrsula e as Onze mil virgens são invocadas. Alguns pedem intercessão, outros missas em honra das mesmas, como por exemplo, o testamento de Maria Antonia de Castilho que pede que se deixe por sua alma algumas missas, entre elas em honra “[…] a Santa Ursulla e as onze mil Virge/ ins Sinco […]”. Já no final do século XVIII, em 1792, o Doutor Inácio de Loyola e Silva ao encomendar sua alma, entre os santos pede “[…] ao meu Santo/ de meu nome Santo Ignacio, e a Santa An/ na, e as onze mil virgeins; a quem tenho/ devossam queiram por mim interseder,/ e Rogar ao meu Senhor Jesus Christo […]/”.

A devoção a Santa Úrsula e as Onze mil virgens, lenda tão antiga que nos remete a Idade Média, já foi muito conhecida e propagada na Idade Moderna, e conseqüentemente no Brasil colonial, incentivada pelos jesuítas. Em Taubaté não era diferente, diversos moradores, na hora da morte, onde tratavam de oferecer missas e pedir a intercessão daqueles santos de devoção pessoal, para que diante de Deus, pudessem “amenizar sua pena”, clamavam a intercessão de Santa Úrsula e das Onze mil virgens. Essa devoção que possuía grande popularidade nos tempos coloniais e que hoje é esquecida, está preservada nos registros históricos que não permitem que se perca para sempre no passado.

 

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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.

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