Para os que estão chegando agora, essa é a última parte de uma série que começou falando sobre os marcos históricos que fazem referência aos símbolos do passado mais remoto de Taubaté, com nomes de ruas, monumentos e edifícios que fazem parte da história do bandeirismo. Continuou, em sua segunda parte, com os marcos que fazem referência à autonomia política com a Elevação de Taubaté à Categoria de Cidade, em 1842 e alguns dos símbolos desse período.
Me concentro agora no último marco que julgo ser uma das faces da tríade aqui apresentada e que formam base do desenvolvimento da identidade histórica da cidade: a autonomia econômica e readequação do espaço urbano da cidade de Taubaté a partir do surgimento da indústria.
Lembrando que a motivação para essa discussão é o projeto de lei 122/2013, apresentado na Câmara Municipal, que apresenta possíveis erros na heráldica do brasão de armas de Taubaté.
Pois bem, um dos elementos do Brasão de armas que faz referência ao período histórico a que me refiro é também, possivelmente, o símbolo que aparece com mais timidez no elaborado escudo: a coroa dentada, que aparece junto às Asas de Netuno. A coroa faz referência a indústria local, que tornou-se o elemento de cisão entre correntes políticas e econômicas da cidade, além de ser a responsável por uma readequação dos espaços urbanos.
Vejamos.
Os primeiros empreendimentos industriais de grande porte do Vale do Paraíba nasceram em datas muito próximas. A primeira grande indústria de Taubaté, nascida em 1883, foi a Companhia de Gás e Óleos Minerais, que extraia, da vizinha Tremembé, o Xisto Betuminoso que era usado para produção de combustível para iluminação pública. Em são Luís do Paraitinga, em 1888, surge a primeira indústria têxtil do Vale, a Fábrica de Tecidos Santo Antônio. Três anos depois, em 1891, em Taubaté, nasce a Companhia Taubaté Industrial, com muito mais capital do que a concorrente da cidade vizinha.
“Cidades Mortas”, uma das obras de referência do taubateano Monteiro Lobato, demonstrou a falência de muitas das cidades que dependiam, única e exclusivamente, da exportação de produtos agrícolas. O que só foi evitado em Taubaté em função da rápida diversificação da produção. A salvação de Taubaté foi justamente o processo de substituição de produção, com o setor industrial suplantando, gradualmente, o agrário. Enquanto acontecia a derrocada do principal produto de exportação brasileiro, o café, houve um extraordinário crescimento da demanda por produtos industrializados.
Apesar da instalação da Companhia de Gás e Óleos Minerais, que funcionava no bairro Vila das Graças, às margens da estrada de ferro, ter acontecido quase uma década antes da C.T.I., foi o empreendimento de Felix Guisard que causou as maiores transformações na cidade.
O primeiro edifício da fábrica foi erigido em uma área que até então era considerada como periferia da cidade. Foi no cruzamento das vias que hoje levam os nomes de Avenida 9 de julho e rua 4 de Março. O empreendimento promoveu um movimento de expansão urbana em direção a áreas desocupadas. Entre os bairros da Independência e o centro urbano de Taubaté, a ação de ocupação, naquele momento, foi reflexo direto da instalação da C.T.I. A partir daí, a história da empresa toma a forma que é hoje tão conhecida.
O reativamento econômico da cidade de Taubaté (faço uma ressalva: a cidade, apesar das sucessivas crises do café, não empobreceu a ponto de tornar-se uma cidade morta, como diria Lobato, mas via, aos poucos, os recursos exaurirem) foi fruto desse processo de industrialização que promoveu: a expansão urbana, que teria reflexos a partir da expansão da atividade industrial; mudanças sensíveis na política, com a queda de antigos potentados e ascensão de indivíduos de fora do circuito tradicional do poder; um aprimoramento dos atrativos culturais, com o surgimento do cinema, expansão dos teatros e praças de esporte; e um novo enriquecimento da cidade, com a expansão comercial e indústrias marginais.
A C.T.I. foi apenas a primeira de uma leva de indústrias. A Companhia Juta Fabril, Fábrica de Botões Corozita e Mecânica Pesada surgiram todas em um espaço de tempo relativamente curto. Até os anos 1950, quase todas as maiores empresas, as quais algumas estão na cidade até hoje, foram instaladas nos distritos industriais criados pelas administrações públicas. As empresas que surgiam colaboravam com o processo de expansão horizontal da cidade no sentido de que criaram e solidificaram o sistema de construção das vilas operárias, fazendo com que bairros que antes eram considerados “fim de mundo”, se aproximassem do centro. Um exemplo é o bairro Vila São Geraldo.
Os símbolos dessas histórias estão espalhados pela cidade. Uma construção que é hoje um monumento histórico é hoje o que considero a maior representação do modelo industrial da cidade: a chaminé da chamada Fábrica Velha, da C.T.I., possivelmente é o mais valioso lugar de memória para esse período histórico. Foi ali onde tudo começou, apesar de aquele símbolo ter sido construído quase vinte anos depois da instalação da primeira fábrica daquela empresa, ela é hoje a construção mais antiga que restou de todo aquele complexo industrial, que conta com outros elementos não menos importantes: os galpões onde se instalaram os outros setores da fábrica, conhecidos como quadra D e E, o Edifício Felix Guisard, e o Largo da Estrela, um projeto feito pelo engenheiro Fernando de Mattos.
Outras referências a esse período estão também no que restou dos galpões da Companhia Juta Fabril, na Vila das Graças, que foi outra grande indústria; o edifício da Fábrica de Botões Corozita, que é hoje a mais antiga indústria em atividade na cidade; os Galpões da antiga Mecânica Pesada, onde hoje opera a gigante Alston.
Outras referências relevantes, mas que poucos dão atenção são dois importantes bustos em dois pontos distintos da cidade. O primeiro é o do industrial Felix Guisard, que está na Praça da C.T.I. o outro é de um indivíduo pouco conhecido, mas que serve de referência que é o busto do industrial Josef Studnick, dono de empresa de fabricação de ferramentas para construção civil, especialmente de serras e serrotes e que foi o maior concorrente das empresas européias na época em que atuou. O busto está instalado na Rua Gastão Câmara Leal, em frente ao Convento de Santa Clara.
Além disso, os Guisard que atuaram na indústria dão nome a várias ruas e edifícios. O “velho” Guisard, Felix, é o patrono de um estádio, uma escola técnica, dois edifícios e uma praça. Além dele, seu filho, Felix Guisard Filho, dá nome a uma avenida. O caçula, Otávio, a uma rua. Eugênio Guisar, irmão do velho Guisard, dá nome a uma rua do Jardim California. Jaurés Guisar, que foi três vezes prefeito de Taubaté, é patrono de uma praça. Oswaldo Barbosa Guisard, no Jardim Gurilândia. Além desses, muitos outros membros da família Guisard.
Mário Boeris Audrá, presidente da Companhia Fabril de Juta Taubaté Ltda, fundada em 1929, é o patrono de uma das ruas do Jardim Morumbi.
Temos também uma Rua dos Operários, que é a via que as do Largo da Estrela até a rua 4 de março, e que é uma homenagem aos trabalhadores da indústria. A via foi batizada com esse nome em sessão da Câmara do dia 18 de agosto de 1927
Além disso, no distrito industrial da cidade, uma Avenida C.T.I. e outra Juta Fabril. O surto industrial do começo do século 20, que perdura até hoje, fez o escritor Monteiro Lobato atribuir à Felix Guisard o título de Segundo Fundador de Taubaté.
O ciclo industrial acaba por fechar um dos momentos que julgo ser dos mais relevantes na construção da identidade histórica de Taubaté. Se a cidade tem um código genético, ele é formado por esses três momentos históricos tratados nessa série: a Fundação da Vila, em 1645, a conquista da autonomia política, em 1842 e o surgimento da indústria no final do século 19, especialmente a CTI em 1891.
O brasão de armas é, portanto, a síntese iconográfica da história de Taubaté. É uma imensa responsabilidade alterá-lo.
Poder de síntese semelhante ao Brasão só há um em Taubaté. O título da principal obra de referência para historiadores que se aventuram a falar sobre a cidade carrega, em poucas palavras, mais de trezentos anos de transformações históricas. “Taubaté, de núcleo irradiador de bandeirismo a centro industrial e universitário do Vale do Paraíba” diz tudo. Uma síntese ainda mais simples e abrangente do que o nosso brasão.
Além disso, indica um outro setor que talvez seja o embrião de uma nova transformação sócio econômica que é a indústria criativa. A idealização do Brasão é fruto dessa indústria, que é o resultado de uma cadeia de desenvolvimento do conhecimento e das artes. Desde sempre Taubaté é palco de atores culturais e indústria criativa. Só para nos restringirmos ao século 20, foi aqui o celeiro da criação da indústria editorial como conhecemos hoje, com as publicações de Monteiro Lobato, e a indústria cinematográfica, com a PAM Filmes de Amácio Mazzaropi.
Estamos na iminência de perceber uma mutação no código genético e incrementar essa identidade histórica com mais um elemento de desenvolvimento: a indústria criativa. Mas isso fica para outra conversa…
Quem viver verá. Ufa!
E, antes que me esqueça, faço um apelo: olhemos com mais carinho para a nossa cidade e observemos ainda mais todas as histórias nas ruas da cidade.
Agora sim. UFA!
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Angelo Rubim é professor de história e editor do Almanaque Urupês.
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ESCLARECEDOR PEDRO RUBIM. PARABÉNS PELO ARTIGO.