Povo infantil

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O prefeito de Santa Maria, em função da papelada estar em ordem e as licenças dentro dos conformes, declarava-se cumpridor de sua responsabilidade maior, que é zelar pela segurança do cidadão. Ao mesmo tempo fico sabendo que um dos sócios da boate Kiss mandou retirar os extintores de incêndio por achá-los feios.

Somos um povo infantil e simplório, cujos conceitos foram formatados na mediocridade da nossa cultura popular recente, na ineficácia esperta do nosso ensino que inunda o mercado com mal formados, médicos que não são médicos, advogados programados para manipular as leis com interpretações tendenciosas em nome daqueles que os pagam, com prefeitos amadores, juízes corrompíveis, políticos sem escrúpulos, publicitários mal intencionados e comerciantes gananciosos.

A infantilidade do povo brasileiro atinge os limites do suportável quando percebo, nas minhas andanças Brasil a fora, que a tal da infraestrutura que tanto precisamos para sermos um pais viável, está vindo na forma de aeroportos improvisados, estradas que ficam superadas antes de serem concluídas, cidades mal resolvidas e escolas com claros fins muito lucrativos. E ainda produzimos mais carros do que as ruas podem suportar.

Homenagens à vítimas da boate Kiss, em Santa Maria. (ABr)
Homenagens à vítimas da boate Kiss, em Santa Maria. (ABr)

Em alguns desses aeroportos com puxadinhos, somos levados de ônibus para um terminal onde outro ônibus nos leva para um terceiro terminal até que, finalmente, embarcamos. Parece brincadeira, mesmo. Em Vitória, ES, gastaram a grana toda, só na terraplanagem. Em Cuiabá, fizeram um galpão de embarque e jogaram o desembarque para as instalações antigas e assim criaram uma espécie de aeroporto que “existe, mas não existe”, como diria o saudoso e querido maestro Zé Gomes.

Para piorar a sensação de desconforto, tente tomar um cafezinho antes de embarcar. Haverá sempre uma fila. E todo mundo pagando com cartão, pois um cafezinho custando cinco reais…, o cartão é inserido na máquina e começam as perguntas sobre todas as opções burocráticas disponíveis para complicar a vida do cidadão. O procedimento de servir um cafezinho move milhares de bits e mega bits do computador, que envia à central da empresa todas as informações que o comerciante precisa para se dignar a lhe vender um simples cafezinho, num país onde todo consumidor precisa provar que não é ladrão o tempo todo. Até para tomar um cafezinho…

Para piorar o clima, as pessoas designadas para prestar serviços ao consumidor não estão preparadas para administrar uma mudança tão radical no comportamento social, numa época em que todos temos amplo acesso às novidades oferecidas pela vida moderna.

O meu saudoso amigo e parceiro Pena Branca quando foi ao mar pela primeira vez seguiu a orientação para tapar o nariz, fechar os olhos e enfiar a cabeça na água quando a onda viesse, mas não lhe preveniram quanto a onda que vinha a seguir e ele quase morre afogado.

Pena Branca
Pena Branca

Imagino que se por acaso cumprirmos nossas obrigações criando a tão sonhada infraestrutura que estamos precisando tanto, teremos que enfrentar a onda subsequente, essa sim, “a mãe de todas”, como dizia o querido companheiro. Falo da falta de capacidade da grande maioria desse povo infantilizado pelo Silvio Santos, pelo BBB, por pastores delirantes, de discernir civilizadamente. Faltam escolas, faltam livros, faltam referências.

E o que esperar dos futuros cidadãos governados por gente que usa a ignorância como ideologia para chegar ao poder? Assim tem sido ao longo dos anos, com raras exceções.

O ignorante com iniciativa, maior de idade e com dinheiro no bolso, é um perigo; existem muitos deles soltos por aí.

A grande mídia gera seus lucros dando ao povo o pouco que um inocente precisa para tocar em frente, e a vida se nivela por baixo. Os medíocres são prestigiados enquanto brasileiros como Lobato e Guimarães Rosa, por exemplo, repousam no fundo do baú da felicidade nacional totalmente Sangaleada, Luanizada, Michelteolizada.

E se antigamente era pão e circo, agora são os celulares e a cerveja.

A pobreza humana é a mãe de todas as desgraças. É aí que mora o perigo. Repare como somos mau tratados nos shoppings, na fila virtual das companhias de telefone, nas agências bancárias, nos hospitais, nos supermercados… ouso dizer que somos mal tratados até quando pagamos bem.

Isso tudo é uma evidência clara da crise afetiva das relações humanas, dominadas por banalidades incultas.

Somos um enorme país de crianças governadas por monitores.

Renato Teixeira

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Publicado originalmente na edição 581 do Jornal Contato

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