As cidades são construídas na dinâmica de suas demandas e necessidades sociais, mas também com o objetivo de preservar a memória dos responsáveis pela sua construção e de seus habitantes. Assim, as cidades são construídas com casas, prédios, ruas, praças, infra-estrutura e com memórias e lembranças. As cidades são representações coletivas da História realizada por seus habitantes.
De acordo com o historiador francês Jacques Le Goff, no conhecido texto “Documento/monumento”, a memória coletiva e a sua forma científica, a História, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os monumentos.
O que sobrevive do passado é uma escolha, seja dos historiadores, seja dos políticos que decidem as mudanças operadas nas cidades, mas também dos habitantes que decidem manter em suas memórias os prédios, ruas e praças que concretamente não existem mais.
Assim, os monumentos são concebidos como herança, um sinal do passado. Etimologicamente, a palavra latina monumentum, vinculada ao verbo monere, remete às faculdades da mente e significa “fazer recordar”, com sentido de ver e de instruir. Em sua origem filosófica, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado e perpetuar a recordação.
Desse modo, desde a antiguidade romana, os monumentos existem com essas funções e se concretizam em obras arquitetônicas, esculturas, placas, marcos, etc, de caráter comemorativo, e em monumentos funerários.
As características do monumento são ligar-se à capacidade – voluntária ou involuntária – de perpetuar as sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e reenviar testemunhos para as novas gerações que habitam as cidades.
Considerando as características e as funções dos monumentos associadas à relevância historicamente atribuída ao movimento das bandeiras e aos bandeirantes em São Paulo, muitas são as referências e homenagens distribuídas nas cidades paulistas sob a forma de monumentos.
Na cidade de São Paulo o mais famoso é o Monumento às Bandeiras, obra de arte executada pelo escultor Victor Brecheret. A obra foi erigida na região centro-sul da cidade, em uma praça em frente ao Palácio Nove de Julho, sede da Assembléia Legislativa, e ao Parque Ibirapuera. Apesar de ter sido encomendada pelo governo de São Paulo em 1921, a escultura, foi inaugurada apenas em 1954, juntamente com o Parque Ibirapuera nas comemorações do quarto centenário de fundação da cidade. A simbologia de sua inauguração e de seus contornos é reforçada pelas suas dimensões: a escultura em granito mede cinquenta metros de comprimento e dezesseis de altura. Com traços modernistas característicos de seu autor, a obra representa os bandeirantes, portugueses, negros, mamelucos e índios puxando uma canoa de monções, utilizada nas expedições fluviais.
Conhecida como “Capital Bandeirante”, São Paulo relembra os bandeirantes também ao nomear importantes rodovias que partem da capital para o interior e para outros estados, como é o caso das Rodovias Anhanguera e Fernão Dias.
Assim como na capital do estado, em Taubaté muitas também são as referências urbanas ao bandeirante. O mais recente monumento, denominado Marco taubateano do Bandeirante, foi inaugurado no dia 30 de junho de 2000. Localizada na rotatória da rodovia Oswaldo Cruz, a obra foi esculpida por José Demétrio da Silva, foi erigida por uma iniciativa do Rotary Club Taubaté Jacques Félix o monumento representa uma presença perene da lembrança do Bandeirante num lugar muito significativo, no entroncamento de duas rodovias. De acordo com alguns indícios e estudiosos, o rosto da estátua teria sido inspirado no do cantor Renato Teixeira.
Em 1979, Antonio Mello Junior escreveu um livro sobre os monumentos de Taubaté e, embora nesse levantamento figurem vinte e nove monumentos, trinta placas e um marco, nenhum deles referia-se diretamente ao bandeirante.
Entretanto, a referência ao bandeirante na cidade se faz de diversas formas, como na denominação de ruas, avenidas, escolas, bairros e no próprio brasão da cidade.
Com relação às ruas e avenidas destaca-se a Avenida dos Bandeirantes. De modo genérico essa avenida homenageia todos os bandeirantes. Além disso, percebe-se na lógica de organização da malha urbana e da toponímia que as avenidas, devido à sua importância e visibilidade no traçado urbano, são denominada de acordo com a maior importância dos vultos históricos.
Mas além da Avenida dos Bandeirantes há diversas ruas espalhadas por Taubaté que também mantém a memória dos bandeirantes a partir de seus nomes. Há também a rua Antonio Rodrigues Arzão, localizada na Vila nossa Senhora das Graças, em homenagem ao bandeirante taubateano que teria encontrado por volta de 1693 as primeiras amostras de ouro na região do Serão da Casa da Casca (Caetés). Outro bandeirante homenageado com o nome de uma rua foi o Capitão Antonio Raposo Barreto. Thomé Portes Del Rei, bandeirante taubateano fundador da cidade mineira de são João Del Rei, juntamente com Antonio Garcia da Cunha nomeia a rua na qual se localiza hoje o Museu e o Arquivo Históricos de Taubaté. Por último, pode-se citar ainda a rua Salvador Fernandes Furtado, no Bairro do Areão, que homenageia o bandeirante Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, coronel de ordenança, ao qual é reputada a fundação da cidade de Mariana.
Com relação aos Bairros, talvez o nome mais significativo relativo aos bandeirantes seja o Bairro Monção.
Monção é um termo de origem árabe que designa ventos sazonais, em geral associados à alternância entre a estação das chuvas e a estação seca. Teve sua origem na designação dada pelos antigos marinheiros árabes às periódicas mudanças de direção do vento. A partir da designação e do uso árabe o termo foi sendo apropriado por outros povos com vocação marítima. À medida que se compreendeu melhor as monções, a sua definição foi se ampliando de forma a incluir quase todos os fenômenos associados com o ciclo meteorológico anual verificado em diversos territórios do mundo. Em Portugal, a palavra era usada para denominar os ventos periódicos que ocorriam na costa da Ásia Meridional. Esses ventos determinavam a saída das expedições marítimas de Lisboa para o Oriente. No Brasil a partir do século XVIII, o termo passou a designar a estação adequada para as viagens fluviais, referindo-se, desse modo, às cheias ou vazantes dos rios e não aos ventos. A marcha para o oeste passou, nesse período, a utilizar o curso dos rios, e as viagens tornaram-se assim mais regulares e com destino conhecido. No início as monções tinham funções comerciais e de abastecimento, levando mercadorias paulistas para as zonas mineradoras.
Outra alusão muito significativa aos bandeirantes na História da cidade encontra-se no Brasão de Taubaté.
Criado pela Lei Municipal n. 247 de 18 de março de 1926, durante a administração do prefeito Félix Guisard, o brasão sofreu alterações em 1931 e foi oficializado em 1950.
Elaborado pelo heraldista José Wasth Rodrigues, o Brasão apresenta os elementos característicos e essenciais dos princípios da Heráldica, cheios de simbologia, como por exemplo, os três picos dourados de dentro do escudo, que representam a Serra da Mantiqueira, e são encimados por três coroas murais que significas as cidades fundadas pelos bandeirantes taubateanos nos sertões das Minas Gerais. Além desses elementos, destacam-se as figuras nas laterais do escudo: um Bandeirante (o desbravador) e um Dragão da Independência (representando a participação dos filhos de Taubaté na Independência do Brasil). No listão em ouro sob o escudo, os dizeres: “PER ÁSPERA PRO BRASÍLIA” que em latim significa: “Todo o sacrifício pelo Brasil”. A frase em latim pode ser interpretada como uma alusão ao esforço bandeirante que tornou Taubaté o “núcleo irradiador” do desenvolvimento da região e do país, conforme afirmou Maria Morgado de Abreu na obra Taubaté: de núcleo irradiador de Bandeirismo a centro industrial e universitário do Vale do Paraíba.
Revisitada a partir dos documentos e dos estudos historiográficos, a imagem do Bandeirante permanece no cotidiano dos taubateanos, tanto no imaginário e no orgulho pela sua História, quanto nas referências distribuídas pela cidade das mais variadas formas no intuito de manter essa memória.
[box style=’info’] Rachel Duarte Abdala
É professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté, doutoranda em História na Universidade de São Paulo.
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