Manauté. Uma geleia geral de primeira!

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HORA DE APRESENTAR O PASSAPORTE

O cartunista Laerte fez uma tirinha onde aparece um cavalheiro medieval, do alto de uma torre, que anuncia á todos: “Os nômades estão chegando!”. Dois segundos depois ele atualiza o aviso: “Os nômades estão indo embora!”. Esses caras fizeram literalmente jus ao nome! Nós bem sabemos que os nômades reais não são tão rápidos assim. Eles ficam certo tempo em um lugar, mas sempre o suficiente para não criar raízes. Já tem um bom tempo que sou um nômade também.

Nasci no subúrbio do Rio de Janeiro, vivi no Oeste Paulista e descobri ser taubateano no Vale do Paraíba. Atualmente moro em Manaus. Ás vezes fico confuso se sou carioca, paulista ou amazonense. Meu sotaque mutante também ajuda muito nisso. Taí a grande diferença entre mim e os nômades dos quadrinhos: enquanto eles são desprendidos, eu me afeiçoo rápido aos lugares em que morei.

Sinto estar magoando minha terra natal, mas tenho que admitir que de todos os recantos por onde passei Taubaté foi aquele em que eu mais simpatizei. Eu me identifiquei com o clima, com as pessoas, com a história e até com os causos da cidade.  É meio clichê, mas deitei minhas raízes aí. E foi como correspondente da cidade de Jeca Tatu e Visconde de Sabugosa no Amazonas que fui convidado a escrever aqui nessa coluna, quinzenalmente.

Minha cabeça funciona fazendo ligações, comparações, fusões e é justamente esse o objetivo dessa “mistura legítima”. Quando escolhi o nome Manauté minha única intenção era apenas casar o nome da capital do Amazonas com o nome da cidade do Burro da Central. Mas meu amigo Angelo Rubim me revelou uma coincidência: “mana” em tupi significa feixe, conjunto ou mistura enquanto “eté” pode ser entendido como legítima ou verdadeira. Uma coincidência reveladora, afinal ela captou o espírito da coisa: aqui faremos de tempos em tempos uma verdadeira mistura. Seja falando de Taubaté e Manaus ou de história, política, cultura, etc.

Gostaria de começar lembrando que estas duas cidades tão distantes se aproximam em alguns pontos. O primeiro deles é a miscigenação, principalmente entre o elemento europeu e indígena. Embora a colonização tenha se dado de forma distinta (um pelos bandeirantes e outra pelas guerras contra franceses e pela captura das “drogas do sertão”), ela uniu o português e o índio. Resultado: o tipo regional de ambas as regiões é fruto dessas duas etnias. Em Taubaté temos o caipira ou o piraquara, em Manaus temos o caboclo ou o tapuia.

O segundo ponto é a economia. Não a economia dos seus primeiros anos, mas a posterior, a economia dos tempos do Império. Taubaté era sustentada pelo café, enquanto Manaus enriquecia com a borracha. Hoje bem sabemos que os tempos dourados não foram para todos: nos cafezais a escravidão era pesada e nos seringais o trabalhador vivia numa situação não muito diferente. A aposta em um único produto revelou-se imprudente quando ambos entraram em crise (o café na década de 1900 e a borracha vinte anos depois). Manaus partilha com Taubaté os amargurados anos de decadência que, como muitos pesquisadores têm demonstrado hoje, não foi tão decante assim para as duas.

O terceiro ponto é a fama nacional. Aí estão duas cidades que não ocupam lugar central no imaginário dos brasileiros, mas possuem um cantinho todo seu lá. Manaus da Zona Franca, dos seringalistas que acendiam charutos com notas de dinheiro, das lendas amazônicas, do Rio-Mar, da selva fantástica. Taubaté, terra das figureiras, de Monteiro Lobato, Mazzaropi e daquela senhora inventada por Luís Fernando Veríssimo que se derretia pelo presidente João Figueiredo. Aliás, duas cidades subestimadas: uma é vista como “reduto de caipiras” e outra como “puro mato”. Quem visitasse qualquer uma das duas perceberia o erro. Mas tentaremos corrigir essas e outras injustiças aqui com o tempo.

E o último e aguardado ponto: cidades de fronteira. Taubaté, durante a colônia foi a porta de entrada dos paulistas para o sertão mineiro e uma das paradas dos caminhos do ouro. Sem contar os inúmeros viajantes que passaram por ela durante o Império e a República. Seja através da ferrovia Estação Central do Brasil ou da Rodovia Presidente Dutra, Taubaté é um dos pontos mais interessantes entre duas metrópoles, São Paulo e Rio de Janeiro. Já Manaus quando ainda era Lugar da Barra de São José do Rio Negro recebeu desde comerciantes holandeses, guerreiros indígenas, missionários espanhóis e soldados portugueses. Acrescente nos séculos seguintes a passagem dos naturalistas europeus, aventureiros da era vitoriana, quilombolas, imigrantes japoneses, flagelados das secas nordestinas e comerciantes do Oriente Médio. Isso só para ficar em poucos exemplos. Com a Zona Franca essa vocação multicultural só se acentuou. Manaus e Taubaté nos dão uma lição de diversidade. Espero apresentar um pouco dela nos próximos artigos.

Bem, chegamos ao fim do artigo, mas não da viagem. Prometo que nas próximas paradas que fizermos vocês encontrarão por aqui muitas curiosidades e discussões interessantes sobre o Vale do Paraíba e a Amazônia, além de um bocado de humor, afinal ninguém é de ferro. Então, até mais, mon ami!

 

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Vinicius Alves do Amaral é licenciado em História pela Uninorte.

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